FÁbulas fabulosa de millôr fernandes



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FÁBULAS FABULOSA DE MILLÔR FERNANDES

Millôr Fernandes (1924) é um conhecido humorista brasileiro. Desenvolve suas atividades em vários campos: desenho, teatro, literatura, tradução e jornalismo. Ficou famoso com a página intitulada “O pif-paf”, na antiga revista O Cruzeiro. Seus desenhos de humor , publicados nas revistas semanais, sempre fizeram sucesso.

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  1. CÃO! CÃO! CÃO! - Millôr Fernandes

Abriu a porta e viu o amigo que há tanto não via. Estranhou apenas que ele, amigo, viesse acompanhado por um cão. Cão não muito grande, mas bastante forte, de raça indefinida, com toda efusão. “Quanto tempo!”. O cão aproveitou as saudações, se embarafustou casa adentro e logo o barulho na cozinha demonstrava que ele tinha quebrado alguma coisa. O dono da casa encompridou um pouco as orelhas, o amigo visitante fez um ar de que a coisa não era com ele. “Ora, veja você, a última vez que nos vimos foi...” “Não, foi depois, na...” “E você, casou também?” O cão passou pela sala, o tempo passou pela conversa, o cão entrou pelo quarto e novo barulho de coisa quebrada. Houve um sorriso amarelo por parte do dono da casa, mas perfeita indiferença por parte do visitante. “Quem morreu definitivamente foi o tio... Você se lembra dele?” “Lembro, ora, era o que mais... não?” O cão saltou sobre um móvel, derrubou o abajur, logo trepou com as patas sujas no sofá ( o tempo passando) e deixou lá as marcas digitais de sua animalidade. Os dois amigos tensos, agora preferiam não tomar conhecimento do dogue. E, por fim, o visitante se foi. Se despediu, efusivo como chegara, e se foi. Mas ainda indo, quando o dono da casa perguntou: “Não vai levar o seu cão?” “Cão? Cão? Cão? Ah, não! Não é meu, não. Quando entrei, ele entrou naturalmente comigo e eu pensei que fosse seu. Não é seu, não?”


MORAL: Quando notamos certos defeitos nos amigos, devemos sempre ter uma conversa esclarecedora.
2-O REI DOS ANIMAIS

Saiu o leão a fazer sua pesquisa estatística, para verificar se ainda era o Rei das Selvas. Os tempos tinham mudado muito, as condições do progresso alterado a psicologia e os métodos de combate das feras, as relações de respeito entre os animais já não eram as mesmas, de

modo que seria bom indagar. Não que restasse ao Leão qualquer dúvida quanto à sua realeza. Mas assegurar-se é uma das constantes do espírito humano, e, por extensão, do espírito animal. Ouvir da boca dos outros a consagração do nosso valor, saber o sabido, quando ele nos é favorável, eis um prazer dos deuses. Assim o Leão encontrou o Macaco e perguntou: "Hei, você aí, macaco - quem é o rei dos animais?" O Macaco, surpreendido pelo rugir indagatório, deu um salto de pavor e, quando respondeu, já estava no mais alto galho da mais alta árvore da floresta: "Claro que é você, Leão, claro que é você!".

Satisfeito, o Leão continuou pela floresta e perguntou ao papagaio: "Currupaco, papagaio. Quem é, segundo seu conceito, o Senhor da Floresta, não é o Leão?" E como aos papagaios não é dado o dom de improvisar, mas apenas o de repetir, lá repetiu o papagaio: "Currupaco... não é o Leão? Não é o Leão? Currupaco, não é o Leão?". Cheio de si, prosseguiu o Leão pela floresta em busca de novas afirmações de sua personalidade.

Encontrou a coruja e perguntou: "Coruja, não sou eu o maioral da mata?" "Sim, és tu", disse a coruja. Mas disse de sábia, não de crente. E lá se foi o Leão, mais firme no passo, mais alto de cabeça. Encontrou o tigre. "Tigre, - disse em voz de estentor -eu sou o rei da floresta. Certo?"

O tigre rugiu, hesitou, tentou não responder, mas sentiu o barulho do olhar do Leão fixo em si, e disse, rugindo contrafeito: "Sim". E rugiu ainda mais mal humorado e já

arrependido, quando o leão se afastou.

Três quilômetros adiante, numa grande clareira, o Leão encontrou o elefante. Perguntou: "Elefante, quem manda na floresta, quem é Rei, Imperador, Presidente da República, dono e senhor de árvores e de seres, dentro da mata?" O elefante pegou-o pela tromba, deu três voltas com ele pelo ar, atirou-o contra o tronco de uma árvore e desapareceu floresta adentro. O Leão caiu no chão, tonto e ensangüentado, levantou-se lambendo uma das patas, e murmurou: "Que diabo, só porque não sabia a resposta não era preciso ficar tão zangado".


M O R A L: CADA UM TIRA DOS ACONTECIMENTOS A CONCLUSÃO QUE BEM ENTENDE.
3-O PROBLEMA EDUCACIONAL (OU SACRIFÍCIOS DE MÃE)

A pobre mãezinha levou o filhinho ao psicanalista porque ele era incapaz de comer qualquer coisa. Ou coisa alguma. Só gostava de comer o impossível. O médico examinou o crescimento mental do menino e recomendou à mãe (dele) que não forçasse o menino a comer o que ele não gostasse.

Percebia-se nitidamente que era um jovenzinho de formação extravagante a quem se deveria oferecer apenas pratos ímpares. Assim foi que a mãezinha, muito da psicanalítica, chegou em casa e perguntou ao filhinho o que é que ele gostaria de comer. O menino nem titubeou. Disse logo:

- "Uma lagartixa".

Com grande repugnância e não menor dificuldade, a mãe(zinha) conseguiu caçar uma lagartixa e deu-a ao menino. O menino olhou a lagartixa com igual ânsia, um olho pra cá, outro pra lá, os dois olhos parando lá em cima e exclamou:

- "Come vuoí, mamma, que io mangi questa porcheria cosí cruda senza ne meno il doppio burro?" - ou seja: "Como é que a senhora pretende que eu coma essa porcaria assim crua: não tem sequer manteiga dupla?"

A mãe, sempre mãe, e mais mãe porque psicanaliticamente orientada, pegou a lagartixa, pô-la na frigideira e fritou-a como o menino desejava.

- Está bem agora? - perguntou ao menino.

- Não - respondeu a peste , - parte ao meio.

A mãezinha tão Kleiniana, coitada!, fez o que o menino mandava. O menino olhou a mãezinha, a mãezinha olhou o menino, o menino mexeu um olho, a mãe baixou a cabeça meio centímetro, o menino mexeu o outro olho, a mãe voltou com a cabeça à posição anterior e aí o menino impôs:

- Eu só como a lagartixa se a senhora comer metade.

- Então come que depois eu como - disse a mãe.

- Não, você tem que comer primeiro - disse o menino.

A mãezinha sentiu uma golfada de nojo, mas, que ia fazer? Mãe é mãe e, além do mais, ela tinha tantas raízes junguianas! Fechou os olhos e, para não sentir, com um gesto rápido, jogou metade da lagartixa dentro da goela, engoliu. O menino olhou-a firme, olhou a metade da lagartixa dentro na frigideira e começou a chorar:

- "Ah, ah, ah!… A senhora comeu exatamente a metade que eu gosto. Essa daí eu não como de jeito nenhum."

Moral: Quando você tiver de engolir um sapo, não há o que escolher. Mas quando tiver que engolir metade do sapo escolha sempre a metade que coaxa.
Submoral: Dizem alguns historiadores que a mãe pegou e deu uma bruta surra no garoto. Mas os historiadores que abraçam essa versão não sabem os terríveis traumas (ai, freudianos) que causam na infância esses choques físico-morais provocados por espancamentos. Todas as mães modernas preferem comer lagartixas.

4-O ESCULARÁPIO

Um escularápio foi chamado para tratar de uma rica senhora que sofria de catarata. Sendo, porém, desonesto, o nosso querido amigo, sempre que ia visitar a rica velha, furtava-lhe um objeto precioso. Quando acabaram os objetos preciosos, ele começou, despudoradamente, a levar-lhe também os móveis, um a um. Afinal, certo dia, não tendo mais o que roubar, deixou de visitar a velha. Mas, não contente com isso, sapecou-lhe em cima uma conta terrível, capaz de abalar mesmo a fortuna do mais rico catarático. A velha protestou, dizendo que não pagava, e a coisa foi parar no tribunal. E foi no Tribunal que a velha declarou o motivo de sua recusa em pagar. Disse: “Não posso pagar a conta do senhor esculápio (5), doutor médico, porque eu estou com a vista muito pior do que quando ele começou a me tratar. No inicio do tratamento eu ainda via alguma coisa. Mas agora, não consigo enxergar nem os móveis lá da sala”.



Moral: A extrema desonestidade acaba visível mesmo para um cego.
5-OS GASTOS DISPENSÁVEIS

Estava o homem dentro da mata, cortando a sua arvorezinha, quando ouviu o grito de socorro: “Au secours! Souvez-moi!” Imediatamente, com aquela humanidade de que todos somos feitos, pôs-se a correr. Evidentemente, com aquela humanidade de que todos somos feitos, na direção contrária ao grito do socorro. Mas, por isso ou por aquilo, foi dar exatamente no local de onde partiam os gritos de socorro. Numa pequena clareira se lhe deparou então um quadro horrível: um homem, ou melhor, um camponês, lutando braço a braço com uma fera. Sentada numa pedra, com um rifle na mão, uma mulher, aparentemente mulher do camponês, contemplava a luta, pitando o seu pito. Sem saber como agir o homem avançou para os dois que lutavam, logo recuou, logo tentou avançar de novo, recuou de novo e, sem ter o que fazer, atarantado, voltou-se para a mulher e berrou: “Que faz você aí, mulher dos infernos? Por que fica assim, sem fazer nada? Por que não atira? Vamos, atire!” E a mulher, pitando seu pito, respondeu então: “Calma. Calma, homem! Pode ser que a fera me economize uma bala.”

MORAL: Os nossos pontos de vista não são necessariamente os alheios.
6-A AMBIÇÃO SUPERADA

Certo dia uma rica senhora viu, num antiquário, uma cadeira que era uma beleza. Negra, feita de mogno e cedro, custava uma fortuna. Era, porém, tão bela, que a mulher não titubeou - entrou, pagou, levou para casa.

A cadeira era tão bonita que os outros móveis, antes tão lindos, começaram a parecer insuportáveis à simpática senhora. (Era simpática).

Ela então resolveu vender todos os móveis e comprar outros que pudessem se equiparar à maravilhosa cadeira. E vendeu-os e comprou outros.

Mas, então a casa que antes parecia tão bonita, ficou tão bem mobilada que se estabeleceu uma desarmonia flagrante entre casa e móveis. E a senhora começou a achar a casa horrível.

E vendeu a casa e comprou uma outra maravilhosa.

Mas dentro daquela casa magnífica, mobilada de maneira esplendorosa, a mulher começou, pouco a pouco, a achar seu marido mesquinho. E trocou de marido.

Mas mesmo assim não conseguia ser feliz. Pois naquela casa magnífica, com aqueles móveis admiráveis e aquele marido fabuloso, todo mundo começou a achá-la extremamente vulgar.


7-A GALINHA REIVINDICATIVA
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"Em certo dia de data incerta um galo velho e uma galinha nova encontraram-se no fundo de um quintal, entre uma bicada e outra, trocaram impressões sobre como o mundo estava mudado. O galo, porém, fez questão de frisar que sempre vivera bem, tivera muitas galinhas em sua vida sentimental e agora, velho e cansado, esperava calmamente o fim de seus dias.

- Ainda bem que você está satisfeito - disse a galinha. - E tem razão de estar, pois é galo. Mas eu, galinha, fêmea da espécie, posso estar satisfeita? Não posso. Todo o dia pôr ovos, todo semestre chocar ovos, criar pintos, isso é vida? Mas agora a coisa vai mudar. Pode estar certo de que vou levar uma vida de galo, livre e feliz. Há já seis meses que não choco e há uma semana que não ponho um ovo. A patroa, se quiser, que arranje outra para esses ofícios. Comigo, não, violão!

O velho galo ia ponderar filosoficamente que galo é galo e galinha é galinha e que cada ser tem sua função específica na vida, quando a cozinheira, sorrateiramente, passou a mão no pescoço da doidivanas e saiu com ela esperneando, dizendo bem alto: 'A patroa tem razão: galinha que não choca nem põe ovo só serve mesmo é pra panela'.

Moral: Um trabalho por jornada mantém a faca afastada."


8-A MORTE DA TARTARUGA

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O menininho foi ao quintal e voltou chorando: a tartaruga tinha morrido. A mãe foi ao quintal com ele, mexeu na tartaruga com um pau (tinha nojo daquele bicho) e constatou que a tartaruga tinha morrido mesmo. Diante da confirmação da mãe, o garoto pôs-se a chorar ainda com mais força. A mãe a princípio ficou penalizada, mas logo começou a ficar aborrecida com o choro do menino. “Cuidado, senão você acorda seu pai.” Mas o menino não se conformava. Pegou a tartaruga no colo e pôs-se a acariciar-lhe o casco duro. A mãe disse que comprava outra, mas ele respondeu que não queria, queria aquela, viva! A mãe lhe prometeu um carrinho, um velocípede, lhe prometeu, por fim, uma surra, mas o pobre menino parecia estar mesmo profundamente abalado com a morte do seu animalzinho de estimação.

Afinal, com tanto choro, o pai acordou lá dentro e veio, estremunhado, ver de que se tratava. O menino mostrou-lhe a tartaruga morta. A mãe disse: “Está aí assim há duas horas, chorando que nem maluco. Não sei mais o que faço. Já lhe prometi tudo, mas ele continua berrando desse jeito”. O pai examinou a situação e propôs: “Olha, Henriquinho, se a tartaruga está morta, não adianta mesmo você chorar. Deixa ela aí e venha cá com o papai”. O garoto depôs cuidadosamente a tartaruga junto ao tanque e seguiu o pai pela mão. O pai sentou-se na poltrona, botou o garotinho no colo e disse: “Eu sei que você sente muito a morte da tartaruguinha. Eu também gostava bastante dela. Porém nós vamos fazer para ela um grande funeral” (empregou a palavra difícil de propósito). O menininho parou imediatamente de chorar e perguntou: “Que é um funeral?” O pai explicou que era um enterro: “Olha, nós vamos à rua, compramos uma caixa bem bonita, bastante velas, bombons e doces, e voltamos para casa. Depois, botamos a tartaruga na caixa em cima da mesa da cozinha, rodeamos de velinhas de aniversário. Aí convidamos os meninos da vizinhança, acendemos as velinhas, cantamos o “Happy-Birth-Day-To-You” pra tartaruguinha morta e você assopra as velas. Depois pegamos a caixa, abrimos um buraco no fundo do quintal, enterramos a tartaruguinha e botamos uma pedra em cima com o nome dela e o dia em que ela morreu… Isso é que é um funeral! Vamos fazer isso?” O garotinho estava com outra cara: “Vamos, papai, vamos! A tartaruguinha vai ficar contente lá no céu, não vai? Olha, eu vou apanhar ela.” Saiu correndo. Enquanto o pai se vestia, ouviu um grito no quintal: “Papai, papai, vem cá, ela está viva!” O pai correu para o quintal e constatou que era verdade, a tartaruga estava andando de novo, normalmente, e o pai disse: “Que bom, heim? Ela está viva! Não vamos ter que fazer o funeral.” “Vamos sim, papai” – disse o menino ansioso pegando uma pedra bem grande – “Eu mato ela”.

MORAL: O importante não é a morte, e sim o que ela nos tira.


9-O REI DOS ANIMAIS

Saiu o leão a fazer sua pesquisa estatística, para verificar se ainda era o Rei das Selvas. Os tempos tinham mudado muito, as condições do progresso alterado a psicologia e os métodos de combate das feras, as relações de respeito entre os animais já não eram as mesmas, de modo que seria bom indagar. Não que restasse ao Leão qualquer dúvida quanto à sua realeza. Mas assegurar-se é uma das constantes do espírito humano, e, por extensão, do espírito animal. Ouvir da boca dos outros a consagração do nosso valor, saber o sabido, quando ele nos é favorável, eis um prazer dos deuses. Assim o Leão encontrou o Macaco e perguntou: "Hei, você aí, macaco - quem é o rei dos animais?" O Macaco, surpreendido pelo rugir indagatório, deu um salto de pavor e, quando respondeu, já estava no mais alto galho da mais alta árvore da floresta: "Claro que é você, Leão, claro que é você!".

Satisfeito, o Leão continuou pela floresta e perguntou ao papagaio: "Currupaco, papagaio. Quem é, segundo seu conceito, o Senhor da Floresta, não é o Leão?" E como aos papagaios não é dado o dom de improvisar, mas apenas o de repetir, lá repetiu o papagaio: "Currupaco... não é o Leão? Não é o Leão? Currupaco, não é o Leão?".

Cheio de si, prosseguiu o Leão pela floresta em busca de novas afirmações de sua personalidade. Encontrou a coruja e perguntou: "Coruja, não sou eu o maioral da mata?" "Sim, és tu", disse a coruja. Mas disse de sábia, não de crente. E lá se foi o Leão, mais firme no passo, mais alto de cabeça. Encontrou o tigre. "Tigre, - disse em voz de estentor -eu sou o rei da floresta. Certo?" O tigre rugiu, hesitou, tentou não responder, mas sentiu o barulho do olhar do Leão fixo em si, e disse, rugindo contrafeito: "Sim". E rugiu ainda mais mal humorado e já arrependido, quando o leão se afastou.

Três quilômetros adiante, numa grande clareira, o Leão encontrou o elefante. Perguntou: "Elefante, quem manda na floresta, quem é Rei, Imperador, Presidente da República, dono e senhor de árvores e de seres, dentro da mata?" O elefante pegou-o pela tromba, deu três voltas com ele pelo ar, atirou-o contra o tronco de uma árvore e desapareceu floresta adentro. O Leão caiu no chão, tonto e ensangüentado, levantou-se lambendo uma das patas, e murmurou: "Que diabo, só porque não sabia a resposta não era preciso ficar tão zangado".
MORAL: CADA UM TIRA DOS ACONTECIMENTOS A CONCLUSÃO QUE BEM ENTENDE.
10-A VIÚVA

Quando a amiga lhe apresentou o garotinho lindo dizendo que era seu filho mais novo, ela não pôde resistir e exclamou: " Mas como, seu marido não morreu há cinco anos?" "Sim, é verdade" — respondeu então a outra, cheia daquela compreensão, sabedoria e calor que fazem os seres humanos — "mas eu não".


MORAL: Não morre a passarada quando morre um pássaro.
11-CHAPEUZINHO VERMELHO

Era uma vez (admitindo-se aqui o tempo como uma realidade palpável, estranho, portanto, à fantasia da história) uma menina, linda e um pouco tola, que se chamava Chapeuzinho Vermelho. (Esses nomes que se usam em substituição do nome próprio chamam-se alcunha ou vulgo). Chapeuzinho Vermelho costumava passear no bosque, colhendo Sinantias, monstruosidade botânica que consiste na soldadura anômala de duas flores vizinhas pelos invólucros ou pelos pecíolos, Mucambés ou Muçambas, planta medicinal da família das Caparidáceas, e brincando aqui e ali com uma Jurueba, da família dos Psitacídeos, que vivem em regiões justafluviais, ou seja, à margem dos rios. Chapeuzinho Vermelho andava, pois, na Floresta, quando lhe aparece um lobo, animal selvagem carnívoro do gênero cão e... (Um parêntesis para os nossos pequenos leitores — o lobo era, presumivelmente, uma figura inexistente criada pelo cérebro superexcitado de Chapeuzinho Vermelho. Tendo que andar na floresta sozinha, - natural seria que, volta e meia, sentindo-se indefesa, tivesse alucinações semelhantes.).

Chapeuzinho Vermelho foi detida pelo lobo que lhe disse: (Outro parêntesis; os animais jamais falaram. Fica explicado aqui que isso é um recurso de fantasia do autor e que o Lobo encarna os sentimentos cruéis do Homem. Esse princípio animista é ascentralíssimo e está em todo o folclore universal.) Disse o Lobo: "Onde vais, linda menina?" Respondeu Chapeuzinho Vermelho: "Vou levar estes doces à minha avozinha que está doente. Atravessarei dunas, montes, cabos, istmos e outros acidentes geográficos e deverei chegar lá às treze e trinta e cinco, ou seja, a uma hora e trinta e cinco minutos da tarde".

Ouvindo isso o Lobo saiu correndo, estimulado por desejos reprimidos (Freud: "Psychopathology Of Everiday Life", The Modern Library Inc. N.Y.). Chegando na casa da avozinha ele engoliu-a de uma vez — o que, segundo o conceito materialista de Marx indica uma intenção crítica do autor, estando oculta aí a idéia do capitalismo devorando o proletariado — e ficou esperando, deitado na cama, fantasiado com a roupa da avó.

Passaram-se quinze minutos (diagrama explicando o funcionamento do relógio e seu processo evolutivo através da História). Chapeuzinho Vermelho chegou e não percebeu que o lobo não era sua avó, porque sofria de astigmatismo convergente, que é uma perturbação visual oriunda da curvatura da córnea. Nem percebeu que a voz não era a da avó, porque sofria de Otite, inflamação do ouvido, nem reconheceu nas suas palavras, palavras cheias de má-fé masculina, porque afinal, eis o que ela era mesmo: esquizofrênica, débil mental e paranóica pequenas doenças que dão no cérebro, parte-súpero-anterior do encéfalo. (A tentativa muito comum da mulher ignorar a transformação do Homem é profusamente estudada por Kinsey em "Sexual Behavior in the Human Female". W. B. Saunders Company, Publishers.) Mas, para salvação de Chapeuzinho Vermelho, apareceram os lenhadores, mataram cuidadosamente o Lobo, depois de verificar a localização da avó através da Roentgenfotografia. E Chapeuzinho Vermelho viveu tranqüila 57 anos, que é a média da vida humana segundo Maltus, Thomas Robert, economista inglês nascido em 1766, em Rookew, pequena propriedade de seu pai, que foi grande amigo de Rousseau.
12-AMOR COM AMOR SE PAGA (1)

Morria o dia e Ismael morria. Sob a colcha de linho, tiritava seu corpo ainda relativamente moço, corpo, aliás, de homem cuja vida não fora das mais operosas. A esposa, a seu lado, ainda moça também, assistia-o em seu transe derradeiro. Ismael morria. E Isaura assistia. E, no pungir da morte, Ismael confessou:

- Isaura, meu amor, quero morrer com a consciência límpida. Na hora grave e treda em que parto desse mundo, devo levar a alma leve pra iniciar outra existência sem o peso desta (2). Confesso que errei muito em minha relação com você. Nem sempre fui verdadeiro, nem sempre fui fiel. Mas, para não tirar da minha consciência os dias e as vezes em que pequei ou errei, coloquei um saquinho dentro do armário de roupa, lá em baixo, onde guardo os sapatos velhos. Nesse saquinho você encontrará tantas moedas de mil, mil réis, mil cruzeiros, mil cruzados, mil reais ah, nosso dinheiro muda tanto! quantos foram meus erros e pecados (3). Não abra o saquinho antes da minha morte (4). Só depois, só depois...

Dizendo isso, Ismael desmaiou. Desmaiou e reviveu. A morte poupo-o, a vida convidou-o para novas aventuras e ele mudou as moedas de saquinho, e o saquinho de lugar. E o tempo passou (5). E veio então a vez da mulher cair doente, pois aos cônjuges o destino reserva sempre alternação nas moléstias, para que possam repartir, e ocasionalmente, como interessa à nossa fábula, lealdades e sacrifícios. Os médicos examinaram cuidadosamente Isaura e concluíram que não era nada grave. Consequentemente (ah, os esculápios!) ela começou a dar sinais de que não ia durar muito. Sentindo a morte, chamou Ismael, o marido, e disse:

-Ismael, naquele dia, gravemente enfermo, você teve a coragem de me confessar que tinha errado. Chorei. Mas, quando você pensava que eu chorava ferida por seus erros, na verdade eu chorava ferida pelos meus. De remorso por não poder também contar meus pecados, na hora em que você partia para sempre (6). Se você não podia levar para outro mundo a manchas de suas faltas, como dizer-lhe naquele momento que mais pecadora era eu, amargurando o coração moribundo que se mostrava tão nobre?(7) Agora, porém, quando é meu fim que se aproxima, eu lhe digo:

-Se eu morrer, como é quase certo, você vai naquele latão na cozinha, onde está escrita a palavra Milho. Nessa lata eu pus um grão de feijão por cada erro que cometi em relação a você. Mas só abra depois que se instalar em mim uma absoluta rigidez cadavérica. Dizendo isso, Isaura deu início a seu the end. Fechou os olhos e principiou a falecer. Antes porém teve um lampejo, uma lembrança. Abriu os olhos e disse: -Ah, Ismael, ia me esquecendo; na lata há alguns feijões de menos porque, no outro dia, no teu aniversário (8), a empregada tirou quatro xícaras para fazer a feijoada. E morreu.


1. Tesão com tesão se paga. Soco na cara com tiro se paga. Ingratidão com ingratidão se paga. Similia similibus curantur se paga. Etc...

2. Eufemismo. Aquilo que torna possível a gente dizer tudo sem dizer coisa nenhuma.

3. Os mistérios que existem entre marido e mulher, os dinheiros não dados, os pensamentos não ditos, os códigos do livrinho de endereço, os telefonemas incompreensíveis na calada da noite (ou mesmo no raiar do dia, por que não?), os pedacinhos de papel queimados no cinzeiro, toda essa massa de desvio de intenção, exigem mais do que eu para explicações anímicas.

4. Não dar oportunidade ao acaso. A gente sempre pode sobreviver.

5. Como sempre. O tempo não faz outra coisa.

6. É muito comum tirarse de uma verdade explicitada uma mentira absolutamente sincera.

7. É preciso, outrossim, examinar bem cada gesto nobre. Muitos enferrujam.

8. "Happy birthday to you"...


MORAL: QUANDO O PECADO É GRANDE NÃO IMPORTA UMA FEIJOADA A MAIS OU A MENOS.
13-OS PERIGOS DA FILOSOFIA

E como estavam ali há tanto tempo juntos, aqueles quatro moços e o professor, um pouco mais velho, este propôs-lhes uma lição, um teste filosófico: "Meus amigos, companheiros, meus, por assim dizer, discípulos. Estamos aqui, neste aposento praticamente vazio.

Pois bem, digamos que cada um de vocês tivesse que encher esse espaço. Qual seria a maneira mais rápida e mais útil de encher este quarto? Responda você primeiro, José". E José, o mais velho dos moços, respondeu: "Eu encheria de palha. Seria uma maneira muito rápida de encher o quarto, porque a palha é leve e fácil de transportar e extremamente útil, pois com ela se poderiam tecer cestas e sobre elas se poderia descansar melhor.

O professor esclareceu: "Você deu resposta brilhante, rápida e válida, e parece que quem errou fui eu. Embora a palha seja realmente uma coisa extremamente útil, eu preferia que a sugestão ficasse clara: é encher o quarto compacta, totalmente. Você agora, Mário". Mário, o mais magro de todos respondeu: "Eu encheria tudo de areia. Também é fácil de transportar e o quarto ficaria cheio. Poderíamos deitar sobre a areia, uma vez seca, ou usá-la como defesa, nos olhos de alguém que nos atacasse". "Muito bem", aceitou o professor mais velho. "Mas não haverá idéia que resolva melhor a proposta do teste, Eusebio? Eusebio, o barbado, que já tinha tido tempo de pensar, disse: "Acho que sim. Eu encheria o aposento com água. Aí ele estaria cheio, completamente mesmo, não se poderia encher o quarto mais rapidamente, pois bastaria deixar a bica do banheiro aberta algum tempo. Além disso, todos sabem, existe coisa mais útil que a água?" "Você ganhou, realmente, na rapidez e na utilidade, Eusebio ", disse o professor, "Mas se esqueceu de um ponto negativo - morreríamos todos afogados. Que diz você, Ivan? E Ivan, o mais dotado de todos, respondeu docemente: "Da maneira mais simples, mais rápida, da única maneira verdadeiramente útil porque se poderia aproveitar o espaço". Dirigiu-se até a parede, girou o comutador e o aposento encheu-se de luz. "Admirável! Correto! Perfeito!" disse o professor. "Realmente ninguém pode viver sem luz, a luz é que alimenta o mundo, a luz é que torna possível a saúde e a reprodução da espécie. Sem falar na simbologia, pois a luz representa o que há de mais..." Porém, antes que ele acabasse de falar, a polícia que estava vigiando o edifício há vários dias, vendo que havia luz na janela, invadiu o 'aparelho' e prendeu todo mundo.

MORAL: QUEM ESTÁ NA MERDA NÃO FILOSOFA.

SUBMORAL: DA DISCUSSÃO NASCE A LUZ. E DA LUZ?



14-NA FRONTEIRA DA ESPERANÇA

O guarda parou o carro na barreira da Nova República.

- Parabéns! – disse ele ao motorista do carro. – Acaba de ganhar o prêmio de um milhão de cruzeiros!

É o milésimo motorista que entra na nova estrada do Progresso e da Liberdade. O que é que o senhor pretende fazer com esse dinheiro?

- Eu? – respondeu o motorista. – A primeira coisa que vou fazer é comprar uma carteira de motorista.

- Não presta atenção nesse idiota, não! – gritou a mulher que estava ao lado do motorista. – Ele vem bebendo desde que entramos na estrada; já está completamente bêbado!

- Bêbado não, sua idiota! – falou a velha que estava no fundo do carro. – Se meu filho estivesse bêbado, não tinha conseguido roubar o carro.

- Magnífico o bom humor de vocês! – disse o guarda. – Podem ir. Boa viagem!


MORAL: TODA REPRESSÃO TEM SUA COTA DE PERMISSIVIDADE.
15-A SOPA DE PEDRAS

Quando terminou a guerra dos farrapos de Canudos, uma guerra dessas aí!, Serapião Pintumba perambulou por muito tempo no sertão. Á proporção que perambulava, penetrava, e, penetrando, sua miséria aumentava – pois o interior fazia as cidades empobrecerem com ele. Até que um dia chegou a uma aldeia de casas de taipa, distante de tudo, isto é, próxima de nada. Serapião bateu numa porta e pediu um pedaço de pão. Foi escorraçado. Bateu noutra porta, pediu um pedaço de queijo de cabra. Foi chutado. Bateu em outra porta e pediu um pedaço de rapadura. Foi cuspido. Bateu em outra porta e pediu uma lata velha. Foi atendido. Aí, Serapião se acocorou no meio da praça, fez uma trempe, botou a lata em cima e ficou esperando o destino. O destino, como sempre, juntou uns curiosos: “Que qui tu ta fazendo aí, Serapião Maluco?” perguntaram. “Uma sopa”, disse Serapião. “Tô veno nada”, criticou um velho crítico de sopas local. “Tão marranja água que cê vai vê”, disse Serapião. Arranjaram água pro Serapião, e fogo, e ele, assim que a água pegou uma fervura, jogou duas pedras dentro da lata e ficou lá mexe que mexe com um pau. “Que sopa é essa?”, veio a próxima pergunta. “Sopa de pedra”, disse Serapião. “De peeeeeedra?”, espantaram-se os habitantes da aldeia, em uníssono. “E pode sopa de pedra? Nóis num cômi sopa aqui tem mais di méis. Si dava para fazê sopa di pedra, a gente toda tava toda limentada.” Um demagogo presente aproveitou a dúvida no ar e vociferou: “É como os eternos leguleios, eternos prometedores de miragens, embaindo o povo do sertão com falácias infantis, acenando para o povo com soluções miríficas enquanto palacianos governosos se locupletam com suas gordas mordomias. Mas mesmo esses profissionais do engodo jamais pensaram em proposta de solução alimentar tão estapafúrdia!” Tomou ar e perguntou noutro tom: “Que é que você pretende exprimir, dialeticamente, com sopa de pedra?” “Bem”, respondeu Serapião, um tanto intimidado, a sopa pode sê só di pedra, né?, e inté qui sai boa. Mas se ocês mi arranja um picadinho de tocinho, um pezinho di cove, um naquinho di rapadura, aí dava muito in mió, né memo?” “Qué qui há, Maneco, sem essa!”, disse então um pau-de-arara que tinha trabalhado em Ipanema durante seis meses, pendurado num edifício da Vieira Souto, e por isso era considerado o grã-fino da aldeia. “Sopa de pedra é sopa de pedra! Não vem com subsídios que aqui não tem disso não. Você falou em sopa de pedra; vai ser sopa de pedra! Pessoal, todo mundo fazendo sopa de pedra aí na praça!” Em poucos minutos, a praça estava cheia de panelas, caldeirões, chaleiras, terrinas e latas fervendo com pedras. E cada um já procurava fazer sua sopa melhor que a do vizinho, com um sabor diferente: rocha, granito, sílex, calcário, pedra-pomes, basalto, pedra-sabão, pedra-ume, pedregulho. Mas terminou tudo numa grande decepção. Nenhuma das sopas de pedra tinha o menor gosto de sopa. Pior ainda – não tinha nem gosto de pedra. Foi aí que um caboclo mais imaginoso descobriu a única utilidade da pedra capaz de, naquele momento, satisfazer a todos os habitantes da aldeia. Tacou um paralelepípedo na cabeça de Serapião, que caiu ali mesmo e logo foi apedrejado por todo mundo, morrendo dilapidado.
Como na Bíblia.
Moral: Não se deve abusar da miséria do povo; ele acaba ficando empedernido.
16-O GRANDE SÁBIO E O IMENSO TOLO

Por um acaso do destino, um velho e sábio professor e um jovem e estulto aluno se encontraram dividindo bancos gêmeos num ônibus interestadual. O estulto aluno, já conhecido do sábio professor exatamente por sua estultície, logo cansou o mestre com seu matraquear ininterrupto e sem sentido. O professor aguentou o quando pôde a conversa insossa e descabida. Afinal, cansado, arranjou, na sua cachola sábia, uma maneira de desativar o papo inútil do aluno. Sugeriu:

- Vamos fazer um jogo que sempre proponho nestas minhas viagens. Faz o tempo passar bem mais depressa. Você me faz uma pergunta qualquer. Se eu não souber responder, perco cem pratas. Depois eu lhe faço uma pergunta. Se você não souber responder, perde cem.

- Ah, mas isso é injusto! Não posso jogar esse jogo – disse o aluno, provando que não era tão tolo quanto aparentava -, eu vou perder muito dinheiro! O senhor sabe infinitamente mais do que eu. Só posso jogar com a seguinte combinação: quando eu acertar, ganho cem pratas. Quando o senhor acertar, ganha só vinte.

- Está bem – concordou o professor – pode começar.

- Me diz, professor – perguntou o aluno , o que é que tem cabeça de cavalo, seis patas de elefante e rabo de pau?

O professor, sem sequer pensar, respondeu:

- Não sei; nem posso saber! Isso não existe.

- O senhor não disse se devia existir ou não. O fato é que o senhor não sabe o que é – argumentou o aluno – e, portanto, me deve cem pratas.

- Tá bem, eu pago as cem pratas – concordou o professor pagando -, mas agora é minha vez. Me diz aí: o que é que tem cabeça de cavalo, seis patas de elefante e rabo de pau?

- Não sei – respondeu o aluno. E, sem maior discussão, pagou vinte pratas ao professor.
Moral: A sabedoria, nos dias de hoje, está valendo 20% da esperteza.
17-HIERARQUIA

Diz que um leão enorme ia andando chateado, não muito rei dos animais, porque tinha acabado de brigar com a mulher e esta lhe dissera poucas e boas (1).

Eis que, subitamente, o leão defronta com um pequeno rato, o ratinho mais menor que ele já tinha visto. Pisou-lhe a cauda e, enquanto o rato forçava inutilmente pra escapar, o leão gritava: "Miserável criatura, estúpida, ínfima, vil, torpe: não conheço na criação nada mais insignificante e nojento. Vou te deixar com vida apenas para que você possa sofrer toda a humilhação do que lhe disse, você, desgraçado, inferior, mesquinho, rato!" E soltou-o .

O rato correu o mais que pode, mas, quando já estava a salvo, gritou pro leão: "Será que V. Excelência poderia escrever isso pra mim? Vou me encontrar com uma lesma que eu conheço e quero repetir isso pra ela com as mesmas palavras!" (2)

(1) Quer dizer: muitas e más.

(2) Na grande hora psicanalítica, que soa para todos nós, a precisão de linguagem é fundamental.

MORAL: Afinal ninguém é tão inferior assim.

SUBMORAL: Nem tão superior, por falar nisso.


18-A JATOBÁ E OS JUNCOS

Um magnífico Jatobá vivia a sua vida galhofeira (1) cercado de uma multidão de juncos farfalhantes, à beira de um riacho riachante. Orgulhoso de sua imensa copa, ele a abanava a todos os ventos de todas as partes e, de vez em quando, é natural, aproveitava para fazer uma sombra indevida aos juncos que lhe ficavam em volta (2). Os juncos, às vezes, querendo saber onde andava o sol pra calcular em quanto tempo iriam se livrar do destino sombrio, perguntavam ao imenso Jatobá: “Que horas são, amigo?” “Eu não sou amigo e não digo horas pra juncos encharcados”, respondia invariavelmente o Jatobá. Os juncos, humolhados (3), voltavam ao seu farfalho humilde, enquanto o Jatobá apregoava aos grandes companheiros das matas a glória de sua cabeleira centenária. A vida é assim.

Mas lá chega o dia...

Esse dia foi de noite. Um vendaval daqueles de derrubar até torres de arranha-céu, se arranha-céu já existisse. O Jatobá, cuja imensa galhada oferecia uma resistência gigantesca (4) às forças da natureza, veio ao chão num estrondo assustador. O chefe dos juncos, vendo aquele desastre com o gigante, gritou sabiamente pro seu grupo: “Não resistam! Agachem-se!” (5).

Tombado, o Jatobá foi arrastado pela corrente do riacho até uma serraria, onde imediatamente o transformaram em magníficas cadeiras de jacarandá. Mas os juncos, que riam satisfeitos, dançando ao sol da manhã de abril, sem a cobertura do Jatobá foram logo descobertos por empalhadores, que os arrancaram a todos e os utilizaram para empalhar cadeiras.

Espicaçados pelo vírus da filosofia, os juncos não resistiram e perguntaram a uma cadeira: “Você sabe explicar por que a queda dos poderosos é mais terrível do que a dos mais fracos, mas no fim todo mundo cai?” E a cadeira respondeu sem hesitar: “Eu não falo com junco!”.


MORAL: Orgulho não adianta; sempre se acaba com a bunda de alguém em cima.
1 – Cheia de galhos, e gozadora.

2 – Afinal, de que vale nossa alegria sem a infelicidade alheia?

3 – Quer dizer, amargurados dentro d’água.

4 – Quinta lei de dinâmica da prepotência.

5 – Segundo parágrafo do artigo primeiro da lei da sobrevivência política.
19-A SORTE E O AZAR

Sexta-feira da Paixão, a menininha acordou, cheia de alegria, foi pra janela do barraco e meteu os peitos no último pagodão romântico, composto pela dupla Depardiê Belmondô e Marlon Bochecha (1). A mãe, assustada, gritou:

- Pára com isso, Tardiosa! Neste dia só se canta música sacra, menina! – E como a menina não ligasse, a mãe sentenciou: - Deus castiga quem canta o que você está cantando, você vai ver só! Pára com isso!

Pois nesse exato momento aí, ia passando pela frente do barraco Maurice Gerard, diretor do Olimpiá (2):

- Que voz, menina!

E a menina, delicadíssima, respondeu:

- Percebo que messiê não sabe bem português; vós não sinhô, pode me tratar de você!

Gerard corrigiu:

- Sei português muito bem, estou falando mesmo de tua voz magnífica, e vou te contratar pra cantar no Olimpiá! (3) Toma aqui dez mil dólares por conta e entra aí em meu Porsch, que vou passar um fax pra Paris, enquanto você assina o contrato prum circuito de um ano na Europa, França e Bahia.

A menina assinou o contrato, contentíssima. E a mãe, que já tinha aprovado, assinou como testemunha. A menina, antes de entrar no carrão, saiu saltitante, já cantando em francês, não viu o buraco, caiu e ficou gemendo de dor, com o pé torcido, talvez quebrado.

- Viu? – disse a mãe – Eu não falei que cantar música profana na Sexta-feira da Paixão, Deus castiga?
MORAL: Todo vaticínio é relativo ou Botar a boca no mundo é perigoso.

1 - A influência estrangeira na MPB continua cada vez maior. Apesar dos nomes, ambos os compositores são negros.

2 - Aquele mesmo que convidou pra cantar lá a cigarra, da Cigarra e a Formiga, só pra desmoralizar La Fontaine.

3 - Ou ela, ou eu, alguém está copiando a vida da Piaf - em preto e branco.


20-O LEÃO, O BURRO E O RATO
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Um leão, um burro e um rato voltavam, afinal, da caçada que haviam empreendido juntos(1) e colocaram numa clareira tudo que tinham caçado: dois veados, algumas perdizes, três tatus, uma paca e muita caça menor. O leão sentou-se num tronco e, com voz tonitruante que procurava inutilmente suavizar, berrou:

- Bem, agora que terminamos um magnífico dia de trabalho, descansemos aqui, camaradas, para a justa partilha do nosso esforço conjunto. Compadre burro, por favor, você, que é o mais sábio de nós três, com licença do compadre rato, você, compadre burro, vai fazer a partilha desta caça em três partes absolutamente iguais. Vamos, compadre rato, até o rio, beber um pouco de água, deixando nosso grande amigo burro em paz para deliberar.

Os dois se afastaram, foram até o rio, beberam água(2) e ficaram um tempo. Voltaram e verificaram que o burro tinha feito um trabalho extremamente meticuloso, dividindo a caça em três partes absolutamente iguais. Assim que viu os dois voltando, o burro perguntou ao leão:

- Pronto, compadre leão, aí está: que acha da partilha?

O leão não disse uma palavra. Deu uma violenta patada na nuca do burro, prostando-o no chão, morto.

Sorrindo, o leão voltou-se para o rato e disse:

- Compadre rato, lamento muito, mas tenho a impressão de que concorda em que não podíamos suportar a presença de tamanha inaptidão e burrice. Desculpe eu ter perdido a paciência, mas não havia outra coisa a fazer. Há muito que eu não suportava mais o compadre burro. Me faça um favor agora – divida você o bolo da caça, incluindo, por favor, o corpo do compadre burro. Vou até o rio, novamente, deixando-lhe calma para uma deliberação sensata.

Mal o leão se afastou, o rato não teve a menor dúvida. Dividiu o monte de caça em dois: de um lado, toda a caça, inclusive o corpo do burro. Do outro apenas um ratinho cinza(3) morto por acaso. O leão ainda não tinha chegado ao rio, quando o rato chamou:

- Compadre leão, está pronta a partilha!

O leão, vendo a caça dividida de maneira tão justa, não pôde deixar de cumprimentar o rato:

- Maravilhoso, meu caro compadre, maravilhoso! Como você chegou tão depressa a uma partilha tão certa?

E o rato respondeu:

- Muito simples. Estabeleci uma relação matemática entre seu tamanho e o meu – é claro que você precisa comer muito mais. Tracei uma comparação entre a sua força e a minha – é claro que você precisa de muito maior volume de alimentação do que eu. Comparei, ponderadamente, sua posição na floresta com a minha – e, evidentemente, a partilha só podia ser esta. Além do que, sou um intelectual, sou todo espírito!

- Inacreditável, inacreditável! Que compreensão! Que argúcia! – exclamou o leão, realmente admirado. – Olha, juro que nunca tinha notado, em você, essa cultura. Como você escondeu isso o tempo todo, e quem lhe ensinou tanta sabedoria?

- Na verdade, leão, eu nunca soube nada. Se me perdoa um elogio fúnebre, se não se ofende, acabei de aprender tudo agora mesmo, com o burro morto.


MORAL: SÓ UM BURRO TENTA FICAR COM A PARTE DO LEÃO.
(1). A conjugação de esforços tão heterogêneos na destruição do meio ambiente é coisa muito comum.

(2). Enquanto estavam bebendo água, o leão reparou que o rato estava sujando a água que ele bebia. Mas isso já é outra fábula.

(3). Os ratos devem se contentar em se alimentar de ratos. Como diziam os latinos: Similia similibus curantur.
21-O LOBO E O CORDEIRO


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Estava o cordeirinho bebendo água, quando viu refletida no rio a sombra do lobo. Estremeceu, ao mesmo tempo que ouvia a voz cavernosa: "Vais pagar com a vida o teu miserável crime". "Que crime?" - perguntou o cordeirinho tentando ganhar tempo, pois já sabia que com o lobo não adianta argumentar. "O crime de sujar a água que bebo". "Mas como sujar a água que bebes se sou lavado diariamente pelas máquinas automáticas da fazenda?" - indagou o cordeirinho. " Por mais limpo que esteja um cordeiro é sempre sujo para um lobo" - retrucou dialeticamente o lobo. "E vice-versa" - pensou o cordeirinho, mas disse apenas: "Como posso sujar a sua água se estou abaixo da corrente? "Pois se não foi você foi seu pai, foi sua mãe ou qualquer outro ancestral e vou comê-lo de qualquer maneira, pois como rezam os livros de lobologia, eu só me alimento de carne de cordeiro" - finalizou o lobo preparando-se para devorar o cordeirinho. "Ein moment! Ein moment! - gritou o cordeirinho traçando o seu alemão kantiano. "Dou-lhe toda razão, mas faço-lhe uma proposta: se me deixar livre atrairei pra cá todo o rebanho". "Chega de conversa" - disse o lobo - "Vou comê-lo, e está acabado." "Espera aí" - falou firme o cordeiro - isto não é ético. Eu tenho, pelo menos, direito a três perguntas". "Está bem" - cedeu o lobo irritado com a lembrança do código milenar da jungle. - "Qual é o animal mais estúpido do mundo?" "O homem casado" - respondeu prontamente o cordeiro. "muito bem, muito bem!" - disse logo o lobo, logo refreando, envergonhado, o súbito entusiasmo. "Outra: a zebra é um animal branco de listas pretas ou um animal preto de listas brancas?" "Um animal sem cor pintado de preto e branco para não passar por burro". - respondeu o cordeirinho. "Perfeito!" - disse o lobo engolindo a seco. "Agora, por último, diga uma frase de Bernard Shaw". "Vai haver eleições em 66." - respondeu logo o cordeirinho mal podendo conter o riso. "Muito bem, muito certo, você escapou!" - deu-se o lobo por vencido. E já ia se preparando para devorar o cordeiro quando apareceu o caçador e o esquartejou.
MORAL: QUANDO O LOBO TEM FOME NÃO DEVE SE METER EM FILOSOFIA.
22-O GATO E A BARATA

A baratinha velha subiu pelo pé do copo quase cheio de vinho, que tinha sido largado a um canto da cozinha, desceu pela parte de dentro e começou a lambiscar o vinho. Dada a pequena distância, que nas baratas vai da boca ao cérebro, o álcool lhe subiu logo a este. Bêbada, a baratinha caiu dentro do copo. Debateu-se, bebeu mais vinho, ficou mais tonta, debateu-se mais, bebeu mais, tonteou mais e já quase morria quando deparou com o carão do gato doméstico que sorria de sua aflição, no alto do copo.

- Gatinho, meu gatinho – pediu ela –, me salva, me salva. Me salva que assim que eu sair eu deixo você me engolir inteirinha, como você gosta. Me salva. - Você deixa mesmo eu engolir você? – disse o gato. - Me saaalva! – implorou a baratinha. – Eu prometo.

O gato virou o copo com uma patada, o líquido escorreu e com ele a baratinha que, assim que se viu no chão, saiu correndo para o buraco mais perto, onde caiu na gargalhada. - Que é isso? – perguntou o gato. – Você não vai sair daí e cumprir sua promessa? Você disse que deixava eu comer você inteira.

- Ah, ah, ah! – ria então a barata, sem poder se conter. – E você é tão imbecil a ponto de acreditar na promessa de uma barata velha e bêbada?
Moral: Às vezes a auto depreciação nos livra do pelotão.

23-O LEÃO E A CEGONHA



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Já que outra vez voltou à pauta - volta sempre - o tema lobby, meto eu lá também a minha colherinha.

Que o sociólogo-mor me perdoe: lobby, segundo a The United Nations Educational Scientific and Cultural Organization, que os íntimos chamam de Unesco, é o ''contato pessoal com legisladores buscando a promulgação de leis ou a derrota ou modificação delas. Usa a técnica de proporcionar diversões - festas e similares - aos membros do Legislativo e sua família, cultivando intimidade e amizade para atingir seus objetivos''.
Já a Encyclopedia of the Social Sciences, da Macmillan (1933), nota que ''lobby é quase sempre associado ao esforço de pessoas e organizações inescrupulosas para conseguir legislação interessada. O lobby tem sido chamado de third house'' (n.M.: poder equivalente à Câmara e ao Senado). ''Suborno e outras práticas não éticas são geralmente associadas ao lobby''.

Mas como também tenho visto comentaristas e legisladores divagarem sobre a história do lobby, aqui vai:

Em janeiro de l680, o M.P. Sillius Titus fez, na Câmara dos Comuns de Londres, um discurso que ficou famoso (tanto que, abaixo, repito trecho, 300 anos depois). O parlamentar se colocou contra o rei Charles II que, mediante algumas compliances (jeitinho), pretendia que o parlamento aceitasse seu irmão James como sucessor ao trono, apesar de católico romano. Disse Sillius Titus:

''Esperemos que não sejamos tão tolos quanto as rãs, a quem Júpiter propôs uma cegonha como rainha. Elas aceitaram, politicamente, certas de que seria fácil resolver pequenos problemas posteriores como, por exemplo, a cegonha, com seu bico comprido e poderoso, querer devorá-las. Coisa tão estúpida quanto nós, agora, sabedores de que há um leão aí no lobby, votarmos a favor da entrada do leão, convencidos de que, uma vez o leão aqui dentro, será mais fácil acorrentá-lo.

A verdade é bem outra: aconselha simplesmente a fechar a porta e deixar o leão lá fora.''

É o que eu, subdesenvolvido, modestamente aconselho: deixemos a corrupção lá fora.


24-A CAUSA DA CHUVA

1.Não chovia há muitos e muitos meses, de modo que os animais ficaram inquietos. Uns diziam que ia chover logo, outros diziam que ainda ia demorar. Mas não chegavam a uma conclusão.

2.– Chove só quando a água cai do teto do meu galinheiro, esclareceu a galinha.

3.– Ora, que bobagem! disse o sapo de dentro da lagoa. Chove quando a água da lagoa começa a borbulhar suas gotinhas.

4.– Como assim? disse a lebre. Está visto que chove quando as folhas das árvores começam a deixar cair as gotas d’água que tem dentro.

5.Nesse momento começou a chover.

6. Viram? gritou a galinha. O teto do meu galinheiro está pingando. Isso é chuva!

7.– Ora, não vê que a chuva é a água da lagoa borbulhando? disse o sapo.

8.– Mas, como assim? tornava a lebre. Parecem cegos? Não veem que a água cai das folhas das árvores?
25-O ALDEÃO E O DEMÔNIO

(À MANEIRA DOS ... ARMÊNIOS)

Pois um dia o aldeão dormitava sob uma árvore, enquanto as ovelhas pastavam, quando o demônio lhe surgiu em carne e

osso: “Aldeão” – tonitruou ele – “Você vai morrer!!! É chegada a tua hora! Mas aqui estou para te dar uma grande oportunidade.

Escolhe uma destas três coisas: bate em teu criado, mata tua mulher ou bebe deste vinho”.

O aldeão, aterrorizado por aquela visão, mal teve tempo de pensar. Mas foi talvez sua sabedoria ancestral que fez com que

dissesse: “Bater em meu criado jamais poderei fazer porque através dos anos ele me tem sido sempre fiel. Matar minha mulher

jamais poderei matar porque ela vive comigo também há muitos anos. Deixa que eu bebo o vinho”.

O diabo deu uma gargalhada e lhe entregou o vinho. O homem bebeu, se embriagou, bateu no criado, matou a mulher, e

desde então abandonou o campo e vive nos bares da cidade, conhecido como um dos mais prestigiosos “play-boys” de nossa

sociedade.

MORAL: O DIABO NÃO É TÃO FEIO QUANTO ELE PRÓPRIO SE PINTA.


26-RAPOSA E AS UVAS

De repente a raposa, esfomeada e gulosa, fome de quatro dias e gula de todos os tempos, saiu do areal do deserto e caiu na sombra deliciosa do parreiral que descia por um precipício a perder de vista. Olhou e viu, além de tudo, à altura de um salto, cachos de uva maravilhosos, uvas grandes, tentadoras. Armou o salto, retesou o corpo, saltou, o focinho passou a um palmo das uvas. Caiu, tentou de novo, não conseguiu. Descansou, encolheu mais o corpo, deu tudo o que tinha, não conseguiu nem roçar as uvas gordas e redondas. Desistiu, dizendo entre dentes, com raiva: “Ah, também não tem importância. Estão muito verdes”. E foi descendo, com cuidado, quando viu à sua frente uma pedra enorme. Com esforço empurrou a pedra até o local em que estavam os cachos de uva, trepou na pedra, perigosamente, pois o terreno era irregular, e havia o risco de despencar, esticou a pata e… conseguiu! Com avidez, colocou na boca quase o cacho inteiro. E cuspiu. Realmente as uvas estavam muito verdes! Moral: a frustração é uma forma de julgamento como qualquer outra. (Millôr Fernandes. Fábulas fabulosas. Rio de Janeiro: Nórdica, 1991. p. 118.)  


27-O COVEIRO E O BÊBADO

Por diversas vezes resisti à tentação de compartilhar com vocês esta Fábula de Millôr Fernandes¹, a tentação, porém, acabou vencendo-me:

Ele foi cavando, cavando, pois sua profissão – coveiro – era cavar. Mas, de repente, na distração do ofício que amava, percebeu que cavara demais. Tentou sair da cova e não conseguiu. Levantou o olhar para cima e viu que sozinho não conseguiria sair. Gritou. Ninguém atendeu. Gritou mais forte. Ninguém veio. Enrouqueceu de gritar, cansou de esbravejar, desistiu com a noite. Sentou-se no fundo da cova, desesperado. A noite chegou, subiu, fez-se o silêncio das horas tardias. Bateu o frio da madrugada e, na noite escura, não se ouvia um som humano, embora o cemitério estivesse cheio de pipilos e coaxares naturais do mato. Só pouco depois da meia-noite é que lá vieram uns passos. Deitado no fundo da cova o coveiro gritou. Os passos se aproximaram. Uma cabeça ébria apareceu lá em cima, perguntou o que havia: “O que é que há?”

O coveiro então gritou desesperado: “Tire-me daqui, por favor. Estou com um frio terrível!” – “Mas, coitado!” – condoeu-se o bêbado. – “Tem toda a razão de estar com frio. Alguém tirou a terra de cima de você, meu pobre mortinho!” E, pegando a pá, encheu-a de terra e pôs-se a cobri-lo cuidadosamente.

Moral: Nos momentos graves é preciso verificar muito bem para quem apela.
28-O EVENTO

“O pai lia o jornal – notícias do mundo. O telefone tocou tirrim-tirrim. A mocinha, filha dele, dezoito, vinte, vinte e dois anos, sei lá, veio lá de dentro, atendeu: “Alô! Dois quatro sete um dois cinco quatro. Mauro!!! Puxa, onde é que você andou? Há quanto tempo! Que coisa! Pensei que tinha morrido! Sumiu! Diz! Não!?! É mesmo? Que maravilha! Meus parabéns!!! Homem ou mulher? Ah! Que bom!... Vem logo. Não vou sair não”. Desligou o telefone. O pai perguntou: “Mauro teve um filho?” A mocinha respondeu: “Não. Casou”.

MORAL: JÁ NÃO SE ENTENDEM OS DIÁLOGOS COMO ANTIGAMENTE.
29-A CIGARRA E A FORMIGA (2009)

Millôr Fernandes

.

Cantava a Cigarra



Em dós sustenidos

Quando ouviu os gemidos

Da Formiga,

Que, bufando e suando,

Ali, num atalho,

Com gestos precisos

Empurrava o trabalho:

Folhas mortas, insetos vivos.

Ao ver a Cigarra

Assim, festiva,

A Formiga perdeu a esportiva:

“Canta, canta, salafrária,

E não cuida da espiral inflacionária!

No inverno,

Quando aumentar a recessão maldita,

Você, faminta e aflita,

Cansada, suja, humilde, morta,

Virá pechinchar à minha porta.

E, na hora em que subirem

As tarifas energéticas,

Verá que minhas palavras eram proféticas.

Aí, acabado o verão,

Lá em cima o preço do feijão,

Você apelará pra formiguinha.

Mas eu estarei na minha

E não te darei sequer

Uma tragada de fumaça!”

.

Ouvindo a ameaça,



A Cigarra riu, superior,

E disse com seu ar provocador:

“Você está por fora,

Ultrapassada sofredora.

Hoje eu sou em videocassete

Uma reprodutora!

Chegado o inverno,

Continuarei cantando

– sem ir lá –

No Rio,


São Paulo

Ou Ceará.

Rica!

E você continuará aqui



Comendo bolo de titica.

O que você ganha num ano

Eu ganho num instante

Cantando a Coca,

O sabãozão gigante,

O edifício novo

E o desodorante.

E posso viver com calma



Pois canto só pra multinacionalma”.

.
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illaa billahil
quvvata illaa
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'alas soloh
Hayya 'alas
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